METRÔ, SÃO PAULO/ SP BRASIL

Menina muito branca sem cheiro,

lânguida e desalmada.

Outra, mais velha

cabelos negros e olhos verdes, tatuagem e decote

Não me sento ao seu lado, vago

Posiciono-me para apreciar o que se mostra dos mamilos brancos de uma vida na caverna

– meus óculos escuros na ausência do sol, de certa forma, denunciam.

Outra, em flor

Tanto na idade quanto no perfume que, semeado pelos ventos metrônicos, se espalha de forma homogênea pelo subsolo. Não fosse a mulher mais aquosa do mundo, seria difícil precisar sua origem. Entramos em vagões diferentes e desvanecemos na morte um para o outro.

Parece que nossas almas não andam de metrô. Quando ele parte, elas continuam flutuando, sentadas, no mesmo ponto, em frente à plataforma. Tornamo-nos soldados do antigo império chinês, petrificados, esperando a hora de a batalha recomeçar.

No celular, um sujeito prateado e de mãos grandes coloca um som de Bob Marley para tocar.

Um raio azul entra em minha cabeça pelo meio da testa e toma o que me resta de vida: beijo no estacionamento do banco onde eu trabalhava, volta do passado e me estupefaz.

*

Digo: “Unhas assim como a sua me excitam, sabia? Tom escuro contrastando com a pele opaca”. Diz: “Agora, toda vez que eu for escolher a cor do esmalte, me lembrarei de você!”. Risos.

Gostava quando ela se sentava à minha frente, na bancada da repartição. Mas, às vezes, ficava ao meu lado; noutras, do outro lado, oculta. Temperamento feminino é estranho. Tem um rosto muito bonito, mas se acha um tanto volumosa. Não acho. Apesar de eu insistir para que deixasse sempre o cabelo encaracolado, natural, vivia alisando com chapinha. Perto de nos separarmos, fez uma progressiva, matando para sempre as ondas que arrebentavam em suas costas. Depois de algum tempo desisti de achar explicação no mundo material para suas intempéries.

Toma meu MP3 e ouve. Jorge Ben com Gilberto Gil, show da década de 70. Diz: “Nossa, meu, você deve fumar muito!” Risos. Digo:“Quer conferir? Amanhã é sexta.” “...”, “Lá em casa, conto piadas. Marcado.” Em casa, constatei que não somente a boca fica seca, depois. Tivemos que improvisar o lubrificante.

“Homem é foda”. Mulher gosta de romances, parecem sempre estar dispostas. Homens, não. A verdade é que homens não gostam de se apaixonar. O pior são as metas. Pelo menos a minha verdade é essa. Gosto de manter as coisas sob controle. “Todo homem é uma ilha.” Homem que usa frase feita é pior ainda. Continuamos amigos. “Dividir a cerveja com amigos e a cama com amigas”, bah! Idiotice. Não vou ficar contando meus fracassos, se bem que, daqui a pouco, as estórias de sucesso se findam. Ela disse que se lembraria de mim toda vez que ouvisse reggae. Por algum tempo pode até ser que lembrou, mas nada que dependa da ação humana é sempre, constante. Às vezes, até queremos, mas esquecemos. Fazer o quê? Fazia tempo que não revivia isso. Ainda bem, reviver muito é sinal de que o presente está torto.

*

Volto para a realidade depois desse lapso no espaço-tempo.

O feixe de luz dissolve-se e desativou, assim, a memória. Ainda hei de não voltar dessas regressões.

A porta do metrô está se fechando.

Olho para fora e é a minha estação.

Até cogito correr, mas não: prefiro a certeza da derrota à dúvida do sucesso. Arrumo o livro dentro da mochila, confiro bilhete óculos carteira zíper-fechado barra-da-calça-cobrindo-a-língua-do-tênis. Celular. OK

Engraçado como, às vezes, memórias nos roubam do hoje.



Chuang Chou, segundo a mitologia chinesa, sonhava sempre que era uma borboleta. Até que um dia ele acordou e não sabia mais se era um sábio sonhando que era uma borboleta ou se uma borboleta sonhando que era um sábio. Raul Seixas fez uma música para homenageá-lo. Também confundimos a realidade. Síndrome do pânico e afins são extremos patológicos de nossas fantasias. No meu mundo, algumas das jovens acima citadas retribuíram os olhares. Vai saber?

Ia acrescentar mais alguma coisa... Deixa pra lá. Vou ler que ganho mais. Ganhamos mais!

P.S.: No geral, sou um cara agradável, amável, educado. Sei fazer piadas oportunas. As mães das minhas amigas me querem para genro. Sei ser romântico (embora todas as vezes que fui, foi para contornar alguma situação adversa) e chegar sorrateiro por trás e dar susto. E depois beijinhos no pescoço. Enfim, procuro disfarçar bem o cara taciturno…

Só estava com a guarda-baixa e achei o momento propício para escrever aqui.

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6 comentários

  1. Interessante seu texto.
    Bem criativo e diversificado.
    E realmente não pensamos como um "metrô", ás vezes até paramos, flutuamos, e ele continua sempre correndo.
    Abç.

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  2. pena eu não poder ler o texto inteiro agora... mas parabens é realmente criativo.
    http://www.maquinorama.blogspot.com/
    o meu ;)

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  3. "Até que um dia ele acordou e não sabia mais se era um sábio sonhando que era uma borboleta ou se uma borboleta sonhando que era um sábio"

    A beleza total de qualquer pensamento, emocionar-me com seu texto valeu meu dia... Obrigada.

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  4. Querido amigo avassalador...Não sei se posso considerar uma verdade ou não "homens não gostam de se apaixonar"...Pessoalmente, não sou favoravel a dividir homens x mulheres. Este é o unico jogo cujo melhor resultado vem de um empate amplo, geral irrestrito...Essa historia de eles e nós... nós e eles... pode resultar boas piadas, boas postagens e a velha solidão...
    Gostei das observações de momentos comuns e como voce as descreveu.

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  5. Seu estilo urbano se torna simples e pratico de ser lido.

    Parabéns e até numa dessas nos metrôs da vida, claro, sem paixão...rsrs

    bjito

    http://www.pequenosdeleites.blogspot.com

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  6. Muito bom. Muito bem escrito. Dá gosto de ler.

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