É só um sonho que sonha só

"Os sonhos são uma pintura muda, em que a imaginação a portas fechadas, e às escuras, retrata a vida e a alma de cada um, com as cores das suas ações, dos seus propósitos e dos seus desejos."

Padre Vieira, no Sermão de São Francisco Xavier Dormindo


Coisas estranhas acontecem. Quando tenho sonhos prazerosos, acordo muito mal, triste, abaurroado* mesmo.

Principalmente quando sonho que estou namorando.

Mas sempre que tenho sonhos assim, minha namorada é uma mulher que eu não conheço, possivelmente idealizada.

Essa noite eu sonhei que estava fazendo uma caminhada pelo bairro em que moro, vestido com roupa de correr. Em uma avenida, cruzo com a Nina (uma mulher que conheci na faculdade e que não sei notícias há quase dois anos). Fisicamente, não é gostosa, não era alta, não se faz de ‘sedutora’ etc. Fazia o curso de Matemática Aplicada a Negócios e era uma das melhores alunas desse curso e muito inteligente, por sinal – punha a culpa em sua inteligência por nunca ter vivido um amor ‘de filme’, mas disso falo depois). No sonho, mesmo um pouco suados do exercício que fazíamos, nos abraçamos e trocamos beijos no rosto. Caminhamos um tanto, mantendo um conversa sem áudio, e logo ela começou a correr, sem aviso. Corri atrás dela.



Crédito da imagem: Wellington Souza

Sempre que eu acordo, lembro-me de poucos fragmentos das falas dos sonhos – pouco ou nada. Esse foi anormal até nisso: além de eu conhecer a pessoa, ainda lembrei-me de diálogos.

Logo a alcancei e corremos por um tempo juntos. Mas, também sem motivos, apertei a corrida e me distanciei, em poucos segundos, muitos e muitos metros. Parei atrás de uma árvore e fiquei. Talvez a esperasse para um susto – bem típico de um outro ‘eu’ ‘apaixonado’.

Enquanto ela se aproximava sem me ver escondido, conversava com amigos que surgiram. Escutei algo assim: “Mas ele ainda está no auge... tem** até um site... faz o que gosta...” e ela: “Mas ele foi embora. Sempre acontece isso...” etc. Quando passaram por mim, surgi no caminho. Ela estava brava e chorosa. Meu sorriso armado para a brincadeira se fez preocupação e comecei a me desculpar. Seu rosto não sedia. Peguei na sua mão e eu já era um namorado eterno. Os amigos dela estavam a meu favor e um deles disse uma besteira e o outro falou para ela: “Está vendo, o seu namorado nem é tão ruim assim” e riu. Foi assim que ela sorriu e ficou desviando o olhar do meu, meio que envergonhada, tímida, manhosa, arrependida, faceira, acanhada, maliciosa e, ao mesmo tempo, aliviada por poder pegar na minha mão novamente e caminharmos para a sua casa.

Ela morava em uma república que mais parecia uma lan house, de tantos computadores e nerds que lá havia. E me perguntou qual jogo eu jogaria com ela e eu falei que não jogava jogos de computador. Mesmo assim, ela citou o nome de trocentos jogos e eu falei, um por um, que não conhecia. Para remediar a tristezinha que caiu em sua face, perguntei se ela me ajudaria a digitalizar*** poemas. Ela disse que adorava softwares e ficamos bem.

*

Não convivi tanto assim com essa menina, pois fazíamos cursos diferentes e tínhamos poucos amigos em comum. Fizemos uma matéria na mesma turma.

Duas passagens, do pouco que ‘ficamos’ juntos, me marcaram. A primeira foi antes de nos conhecermos (no sentido bíblico da palavra) quando, durante um almoço com amigos nossos, ela culpou sua inteligência por ainda não ter vivido um grande amor. Que os homens se sentiam inseguros sabendo que estavam com a ‘pessoa’ mais inteligente da matemática (pois, ainda segundo ela, alguns não a viam como ‘mulher’).

E, a segunda, foi o diálogo abaixo:

Na cama: ela me falou que o pai dela é norte-americano e que, quando ela se formasse, iria morar lá, com ele. Perguntei se ela gostaria de ir morar lá. Respondeu-me que gostaria de morar onde gostassem dela. Perguntei se ela gostava de morar aqui. Ela me respondeu que, naquele momento, estava gostando. Ficamos quietos, deitados, e as caixinhas de som do computador logo ficaram quietas também, pois a playlist chegara ao fim.

*

O que me intrigou nesse sonho foi o fato de lembrar os diálogos e pela jovem ser uma conhecida.

Você tem uma interpretação para esse sonho? Então comente! Eu até tenho uma, mas não postarei...

*

Não evoluímos (no relacionamento) porque nunca dei um telefonema para ela. Poucas vezes, mas poucas mesmo, liguei para uma mulher que não achasse que eu a namorava. E isso foi um indício forte de que eu não era o homem que a levaria para o filme do ‘grande amor’.

Ela até tentou.


*
Hoje procurei por ela no Facebook e no Orkut. Vasculhei amigos em comum, possíveis comunidades. Provavelmente, se achasse, apenas olharia para a sua foto...

Tanto tempo que não pensava nela, esse subconsciente é foda.

Agora restaram as quatro letras de seu nome e uma tristeza nostálgica, carinhosa e, por que não, satisfeita por compreender que nada pode ser mudado.



*Abarroado é uma palavra que inventamos em alusão a um amigo nosso, o menino-poeta, que sempre usava palavras ‘decoradas do dicionário’.
** Não sei de onde tirei essa de ‘está no auge’. Frase bem nerd, por sinal.
*** Digitalizar um poema quer dizer fazer um poema digital.

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3 comentários

  1. Há muito tempo não passava por aqui. Pois então, retornei. Gostei do seu texto, da sua informalidade, da temática... Há coisas na vida da gente que simplesmente passam. Algumas delas deixam boas lembranças, outras saudade do que nunca aconteceu, do que nunca se deu, do que poderia ter acontecido, poderia ser feito...

    Gosto muito de ouvir, ou ler, narrativas de sonhos. Talvez porque eu mesma quase não sonhe. Se sonho nunca me lembro. Costumo lembrar dos pesadelos, desses que a gente acorda ofegante, coração disparado. Sonho mesmo, gostoso, que dá vontade de voltar a dormir e continuar nele, é muito raro. Não tenho qualquer interpretação para o seu.... Esse universo ainda é muito obscuro e confuso para mim.

    Desejo a nós doces sonhos.

    :)

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